Imagino que os livros de história não produzidos pelo Brasil Paralelo contarão algo deste tipo. Nos primórdios da pandemia de Covidbaixar jogo do tigrinho, o aumento exponencial de infecções e mortes pressionava a comunidade científica pela criação de um antídoto. Dados experimentais sugeriam que a hidroxicloroquina, usada para tratar malária e doenças reumáticas, poderia ter efeitos benéficos contra o novo coronavírus.
Então, em março de 2020, Didier Raoult e outros pesquisadores do Instituto Mediterrâneo de Infecção do Hospital Universitário de Marselha publicaram um ensaio clínico alegando que a hidroxicloroquina, em combinação com o antibiótico azitromicina, fora capaz de reduzir a carga viral em 20 pacientes.
Colunas e BlogsRaoult tornou-se um arauto da hidroxicloroquina e uma referência para governantes negacionistas como Jair Bolsonaro e Donald Trump. O segundo previu que a história da medicina seria revolucionada pela droga. E o primeiro ofereceu-a a emas palacianas e deu ordem (e dinheiro do contribuinte) ao exército para fabricá-la em massa. O mundo se dividiu em pró vs. anticloroquina. A ciência abraçou estes; a catástrofe, aqueles. Bolsonaro e Trump prestaram contas nas urnas. Ao cientista, restou o retiro sem glórias. Os professores de história penarão a explicar, racionalmente, como um medicamento de tão baixa eficácia terapêutica fora capaz de produzir tamanha efervescência social e política.
E para fechar esse enredo distópico, faltou ainda dizer que fim levou o tal artigo que inaugurou a polêmica.
Desde a sua publicação, o estudo capitaneado por Raoult enfrentou severas críticas. Primeiro porque foram apenas 36 participantes avaliados, os quais sequer foram sorteados entre os grupos tratamento e controle. Além disso, a exclusão de 6 pacientes tratados com hidroxicloroquina (1 faleceu e 3 foram transferidos para terapia intensiva) pode ter distorcido os resultados, favorecendo indevidamente o grupo que recebeu o medicamento.
Uma análise posterior também apontou que os critérios diagnósticos de Covid foram diferentes entre os grupos, comprometendo a comparabilidade dos dados. Além disso, questionou-se a imparcialidade no processo de revisão por pares —que durou apenas cinco dias—, sobretudo tendo em mente que um dos coautores era o editor-chefe da revista na qual o artigo foi publicado. Finalmente, os autores não conseguiram provar que o estudo teve início após a aprovação do comitê de ética, nem que os pacientes consentiram em participar da pesquisa.
Tamanha a quantidade de lambanças que o artigo acabou "despublicado" pelos editores —passados longos quatro anos. Raoult carrega agora a chaga de 28 artigos retratados na carreira.
Em nota, a Sociedade Francesa de Farmacologia e Terapêutica afirma que "esta série de eventos serve para lembrar um ponto essencial quando se trata de medicamentos: mesmo em tempos de crise sanitária, a prescrição de medicamentos sem provas sólidas de eficácia, fora do quadro rigoroso de ensaios clínicos bem conduzidos, continua a ser inaceitável. Um dos princípios fundamentais da medicina –primum non nocere ("primeiro, não fazer mal")– foi sacrificado, com consequências dramáticas".
Pelas nossas bandas, oportunistas movidos por ideologia e grana também andaram se arvorando no jaleco branco para produzir algo parecido com ciência, mas só em casca. Seus estudos sobre drogas ineficazes contra a Covid, como ivermectina e proxalutamida, foram publicados, apesar de sérios indícios de violações éticas e metodológicas. A retratação é a última camada de autocorreção da ciência —quando seus filtros falham ou tardam, sua credibilidade é posta em xeque.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
benefício do assinante
Você tem 7 acessos por dia para dar de presente. Qualquer pessoa que não é assinante poderá ler.
benefício do assinante
Assinantes podem liberar 7 acessos por dia para conteúdos da Folha.
Recurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Leia tudo sobre o tema e siga:
coronavírus saúde sua assinatura pode valer ainda maisVocê já conhece as vantagens de ser assinante da Folha? Além de ter acesso a reportagens e colunas, você conta com newsletters exclusivas (conheça aqui). Também pode baixar nosso aplicativo gratuito na Apple Store ou na Google Play para receber alertas das principais notícias do dia. A sua assinatura nos ajuda a fazer um jornalismo independente e de qualidade. Obrigado!
sua assinatura vale muitoMais de 180 reportagens e análises publicadas a cada dia. Um time com mais de 200 colunistas e blogueiros. Um jornalismo profissional que fiscaliza o poder público, veicula notícias proveitosas e inspiradoras, faz contraponto à intolerância das redes sociais e traça uma linha clara entre verdade e mentira. Quanto custa ajudar a produzir esse conteúdo?
ASSINE POR R$ 1,90 NO 1º MÊS Veja outros artigos desse colunista Envie sua notícia Erramos? Endereço da página https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-gualano/2025/01/despublicado-estudo-pioneiro-sobre-cloroquina.shtml Comentários Termos e condições Todos os comentários Comente Comentar é exclusividade para assinantes. Assine a Folha por R$ 1,90 no 1º mês notícias da folha no seu emailNa paacute;ginanbsp;Colunas e Blogsnbsp;danbsp;Folha vocecirc; encontra opiniatilde;o e crocirc;nicas de colunistas comonbsp;Mocirc;nica Bergamo,nbsp;Elio Gaspari, Djamila Ribeiro,nbsp;Tati Bernardi,nbsp;Dora Kramer,nbsp;Ruy Castro, Muniz Sodreacute;, Txai Suruiacute;,nbsp;Joseacute; Simatilde;o, Thiago Amparo,nbsp;Antonio Prata,nbsp;Juca Kfouri,nbsp;e muito mais.
RelacionadasClick to Pay da Mastercard facilita e dá mais segurança às compras online
Bradesco oferece soluções personalizadas para empresas
Preferida pelos brasileiros, Risqué fecha o ano com novidades para as festas
Prefeitura de São Paulo amplia frota sustentável para coleta de lixo
Atacadão expande lojas e fica mais perto dos grandes centros urbanos
Setor elétrico investe para ter redes mais resilientes
Cinco anos de ações e trabalho em Maceió
Tecnologia permite que pneu feche furos sozinho; motorista nem percebe
Ainda cercada de tabus, a menopausa provoca intensas transformações na vida da mulher
Tira-dúvidas: 10 respostas sobre Previdência Privada
Logística reversa permite descarte sustentável de eletrodomésticos
Igreja Maranata realiza evento para 1 bilhão de pessoas
Prêmio PAR reconhece as 8 cidades paulistas com melhores desempenhos na alfabetização
Bem-vindo ao Cassino ZA9BET — Não Perca Nosso Fantástico Bônus de Boas-Vindas - Cadastre-se e Receba Bônus até R$1000Revo e Terminal BTG Pactual: Parceria que Transforma a Experiência de Viagem no GRU
Transparência melhora qualidade dos hospitais e empodera pacientes
fortune tigerFriboi é eleita pelo 4º ano a marca de carnes mais lembrada do Brasil
Medicina da Unicid oferece aprendizado prático desde o início
Mulher do ano Shopee reconhece e premia empreendedoras brasileiras do marketplace
Rede D'Or contrata Tiago Machuca, brasileiro líder em cirurgia torácica nos EUA
Série mostra papel do BNDES na transição energética; veja o 1º vídeo
Incontinência urinária masculina ainda é tabu
Brasil retoma protagonismo na discussão do clima na COP29
Estratégia da Cadastra faz vendas de personal care da Suzano cresceram 4 dígitos na Amazon
Recurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Bolsonaristas insistem em anistia e chamam ato do governo para 8/1 de cortina de fumaçaRogério Marinho (PL) diz que 039;sanha persecutória039; de Lula atrapalha proposta de anistia, mas acredita em votação
7.jan.2025 às 23h02Recurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Ministros do STF veem aproximação da Meta com X e minimizam declaração de ZuckerbergIntegrantes e assessores da corte avaliam ser preciso observar próximos passos da empresa
7.jan.2025 às 23h00Recurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Mega incêndio atinge Los Angeles, inflama caos e deixa 30 mil fora de casaChamas que se iniciaram na tarde de terça (7) causam congestionamentos e moradores abandonam veículos nas ruas; autoridades temem piora
8.jan.2025 à 0h48Copyright Folha de S.Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.
Modal 500O jornalnbsp;Folha de S.Paulo eacute; publicado pela Empresa Folha da Manhatilde; S.A. CNPJ: 60.579.703/0001-48
NEWSLETTERCadastro realizado com sucesso!
OkPor favor, tente mais tarde!
OkPowered by tigrinho fortune @2013-2022 mapa RSS mapa HTML
Copyright Powered by365站群 © 2013-2024