"Se não podia ser quem eu sou em casa， eu preferia estar na rua". A afirmação é de Theo Glanttine， 21， que aos 17 anos se viu morando debaixo de um viaduto， em Madureirajogodotigrinho， zona norte do Rio de Janeiro.
Theo engrossou o registro mais comuns para desaparecimentos de adolescentes na cidade: a falta de aceitação， pela família， da orientação sexual ou da identidade de gênero.
Segundo a delegada Ellen Souto， titular da DDPA (Delegacia de Descoberta e Paradeiros)， cerca de 90% dos registros de jovens entre 12 e 17 anos estão relacionados a conflitos familiares.
"Entre as meninas， posso afirmar que quase todos é por causa do ambiente hostil ligado à intolerância sexual"， disse a policial.
Theo Glanttine， 21， diz que fugiu de casa por causa da intolerância familiar em relação à sua sexualidade
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Eduardo Anizelli/Folhapress
De janeiro de 2015 até outubro do ano passado， a Polícia Civil registrou 4.784 casos de desaparecimento de jovens de 12 a 17 anos na capital fluminense. Na maioria dos casos， 93%， eles acabaram sendo encontrados.
Os registros caíram de forma consistente até 2020. No ano seguinte， voltaram a subir e， em 2023， somaram 450， ainda assim abaixo dos 830 de 2015.
No ano passado， de janeiro a outubro， a polícia foi notificada de 296 desaparecimentos nessa faixa etária. Em mais da metade dos casos， 59%， os menores foram localizados.
Filho de pais adolescentes， Theo foi criado inicialmente pela bisavô， na Cidade de Deus， zona oeste do Rio. "Quando ela faleceu， fui morar com a minha mãe， e não era um ambiente seguro para ela， que apanhava"， disse.
Na casa da mãe， ainda aos oito anos， sofreu abuso sexual do padrasto. Aos 12， não sabia ler e escrever e， devido à violência do local onde morava， pediu para ir morar com o pai. "Minha madrasta tinha outra visão sobre mim， me ajudou com os estudos. Mas ela queria que eu fosse uma princesinha， o que gerou conflitos"， contou.
"O ambiente em casa ficou difícil， pois eles queriam impor uma cura gay， me levando à igreja"， acrescentou. Seu celular passou a ser monitorado. Fugiu e， após passar um período nas ruas， foi morar na casa de amigos.
fortune tigerO pai registrou o caso na Delegacia de Descoberta e Paradeiros， que o localizou. A vítima， por sua vez， afirmou que não voltaria para casa. Assumindo a identidade Theo， encontrou na música uma forma de superar os traumas.
Agora， aos 21， MC Theo Glanttine é apoiado por uma produtora. "Eu escrevo músicas sobre tudo o que vivo. A música 'Fases da Vida' fala sobre dificuldades e superações， em uma delas escrevi sobre a fuga de casa"， disse.
Theo afirmou que mantém contato com a família， mas que a madrasta ainda o chama pelo nome de batismo.
A reportagem também conversou com uma adolescente que diz ter sofrido com estupros de um padrasto ao dizer que era lésbica. Segundo ela， ele dizia que ela passaria a gostar de homens. Aos 16 anos ela procurou abrigo na prefeitura e， por ainda ser menor， não pode ser identificada ou dar entrevistas.
A prefeitura mantém o Albergue Mais Tempo LGBTI+ David Miranda， na Lapa， região central da cidade. O local tem capacidade para 50 pessoas de 18 a 59 anos， e o tempo inicial de permanência é de 90 dias.
Carlos Tufvesson， coordenador da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio， também confirma a intolerância como motivo para a fuga do lar.
"Nós， LGBTI+， somos a única minoria a não encontrar acolhimento em nossas próprias casas ao sofrer um bullying， por exemplo. Se a criança sofre bullying racial， a família tende a ser da mesma etnia e acolhê-la. Se sofre bullying religioso， a família tende a ser da mesma religião e a acolhe. Nós， LGBTI+， sofremos bullying nas escolas e não podemos nem deixar que nossas famílias saibam disso. Resultado? A criança sofre calada， sem nenhum acolhimento"， disse.
De acordo com a Polícia Civil， os desaparecimentos， em maioria， não estão ligados a crimes， mas à saúde mental das vítimas e questões familiares.
"Na faixa até 4 anos， o principal de registro ocorre devido a questões de guarda compartilhada， em que um dos pais não aceitava a decisão da Justiça e houve rapto. Na de 5 a 11 anos， resultados ou de abuso sexual ou de não aceitação da guarda. Entre os jovens de 12 a 17 anos， além da fuga para exercer sua sexualidade， estão casos em que jovens fogem após abusos"， afirmou a delegada Ellen.
Entre adultos， muitos desaparecem por conta própria. "São comuns os casos em que mulheres ou homens desapareceram para ficar com amantes e depois voltaram dizendo que foram vítimas de algum crime， ou de pensão alimentícia"， disse a investigadora.
Já entre os idosos， os casos estão relacionados à saúde mental. "Um idoso desorientado encontramos em Minas Gerais. Saiu andando， pegando ônibus. É importante que idosos em situação delicada de saúde usem uma pulseira ou colar com o nome e número de identidade. Para evitar golpes， não coloquem telefone"， afirmou Ellen.
Há uma exceção nos registros， no entanto， para regiões com grande atuação das milícias. É o caso de cidades como Nova Iguaçu， Mesquita e Nilópolis onde， segundo dados da Promotoria， o desaparecimento está ligado a ações de grupos criminosos.
É caso de quatro jovens sequestrados por milicianos， em 2022， em Nova Iguaçu， quando estavam a caminho de um shopping. Dois deles continuam desaparecidos， os outros foram encontrados mortos.
"As milícias da baixada têm esse histórico de grupos de extermínio. Muitos desaparecimentos estão relacionados à milícia nessas regiões. Já encontramos alguns cemitérios clandestinos que apontam essa prática"， disse o promotor Fábio Corrêa.
O que fazer em caso de desaparecimento Registre o caso na delegacia imediatamente Leve uma foto atualizada Confirme o número de contato correto Avise familiares e amigos Informe os nomes dos amigos próximos Descreva as roupas e características à polícia Avise a polícia em caso de localizaçãoEm caso de crianças:
Ensine seu nome completo e o dos pais Tire o RG da criança o quanto antes Oriente a não aceitar nada de estranhos nem compartilhar informações Monitore o uso da internet Não permita que brinque na rua sem supervisãoEm caso de idosos
Caso o idoso tenha saúde comprometida， ele deve utilizar sempre identificação com nome completo， RG e nome de familiar para contato Não coloque telefone para evitar golpesbenefício do assinante
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